sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Firmes na Fé
“Ladrões de ossos!”, gritavam os manifestantes judeus ultra-ortodoxos, em suas tradicionais roupas pretas, enquanto a polícia israelense era rapidamente posicionada na entrada dos sepulcros escavados na rocha [que estavam sendo escavados por arqueólogos]. Muita gente por ali se perguntava: “Será que esses ossos são realmente os restos mortais dos macabeus?”
A Revolta dos Macabeus ocorreu no segundo século a.C. e é um período complicado de se entender. No entanto, o conflito ilustra importantes lições de vida, como a fidelidade a Deus, a perseverança na batalha espiritual e a bênção da restauração no Senhor.

A deificação de um lunático

Após a morte de Alexandre o Grande, em 323 a.C., o vasto império que ele conquistara foi dividido entre seus quatro generais. Não demorou muito para que surgissem dois blocos antagônicos: o dos Ptolomeus, no Sul, que governavam a partir do Egito, e o dos Selêucidas, no Norte, cuja sede do governo ficava na Síria e na Pérsia.
Israel não podia evitar de ser envolvido na luta pelo poder que se travava entre esses dois blocos, já que ambos disputavam o controle da nação judaica. Inicialmente, Israel foi governado pelo império do Sul. Durante esse período, o rei Filadelfo do Egito (285-246 a.C.) ordenou que os primeiros cinco livros do Antigo Testamento fossem traduzidos do hebraico para o grego. Mais tarde, o restante das Escrituras também foi traduzido, gerando a versão bíblica conhecida como Septuaginta, que significa “setenta”, em latim. Um dos mais extraordinários resultados dessa tradução foi que, através dela, os gregos do Sul foram apresentados ao Deus verdadeiro e à Sua Palavra. Em conseqüência disso, muitos deles abraçaram a fé hebraica.
O reino do Norte foi diferente. Ele preferiu praticar e impor uma filosofia instaurada por Alexandre o Grande, chamada Helenismo. O Helenismo era uma submissão ou devoção à cultura, religião e língua da antiga Grécia. Infelizmente, a província da Judéia – que na época era chamada de “nação dos judeus” – foi dominada pelos Selêucidas do Norte, em 198 a.C. Então, trinta anos mais tarde, um lunático entrou em cena.
Antíoco IV, que tomou o trono do Norte em 175 a.C., era pervertido e bizarro. Segundo o historiador grego Políbio, uma das mórbidas diversões de Antíoco era derramar mirra no chão dos banhos públicos, esconder-se e ficar vendo as pessoas escorregarem. Seu prazer aumentava com a intensidade do tombo e a gravidade dos ferimentos.
A maior ambição de Antíoco era conquistar o Egito e expandir seu império. Como a província da Judéia fazia fronteira com o Egito, era essencial que ele tivesse ali uma população fiel e helenizada, para servir de zona tampão. Portanto, sua primeira manobra estratégica foi dominar militarmente a região e exigir que todos os seus habitantes se ajustassem aos ideais helenistas. Toda resistência foi esmagada.
Não é de surpreender que ele se considerasse a verdadeira expressão e o principal propagador da cultura grega. Para ressaltar seu “caráter modesto”, ele deu a si mesmo a alcunha de Epifânio, que significa “o deus visível”. Assim, ele tornou-se Antíoco Epifânio, sua própria versão da encarnação de Zeus, o principal deus grego.
A idéia de um mortal declarar-se deus era ofensiva para muita gente em Israel. As Escrituras hebraicas ensinam que Deus criou o homem do pó da terra (Gênesis 2.7). Embora criado à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1.27), o homem não pode jamais ser Deus, e um dos claros impedimentos a essa pretenção é a natureza pecaminosa que a humanidade herdou de Adão e Eva, e que permeia todos os seres humanos (Gênesis 3.1-6; Romanos 5.12-14).
Enquanto a Bíblia ressalta a “beleza da santidade” (Salmo 29.2), os gregos ressaltavam a santidade da beleza.


Na cultura helenista, entretanto, esse tipo de suposição errônea era uma conclusão natural, já que para os gregos a perfeição podia ser alcançada através do esforço humano. A ênfase estava no homem exterior, não no interior. Enquanto a Bíblia ressalta a “beleza da santidade” (Salmo 29.2), os gregos ressaltavam a santidade da beleza. Com a ajuda da arte, da literatura e da mitologia gregas, tornou-se fácil para os mortais que abraçavam essa crença religiosa considerarem a si mesmos como divindades.
O epíteto do rei, Epifânio, significava um problema na Judéia. O povo judeu, tendo um senso mais realista do caráter de Antíoco, fez logo um trocadilho com seu nome, chamando-o de Epimânio, que significa “lunático”!

A profanação da fé

Antíoco empreendeu sua segunda campanha contra o Egito em 168 a.C., mas o que ele não sabia é que o Egito havia se tornado um protetorado romano. Frustrado em seus planos, Antíoco tinha duas opções: ou suspendia seu ataque ou enfrentava a ira da poderosa Roma. Furioso, ele decidiu marchar rumo ao norte – e descarregou toda a sua raiva sobre o povo judeu.
Jerusalém andava espiritualmente mal e muitos judeus tinham abraçado a cultura helenista. Um sumo sacerdote indicado por Antíoco estava desafiando ostensivamente a antiga fé de seus ancestrais com a adoção de modernas crenças gregas. Um ano antes tinham sido decretadas medidas anti-judaicas, dentre elas a obrigação de cultuar Antíoco como Zeus, a proibição da circuncisão e a instituição da prostituição cultual no Templo.
Mas a grande tentação para afastar o povo de sua fé era o ginásio pagão construído nas proximidades do monte do Templo. Os sacerdotes logo abandonaram seus estudos para se divertirem na arena. Como as lutas de homens despidos eram populares, os jovens judeus logo inventaram formas engenhosas de esconder sua circuncisão para poderem participar dos combates.
Sem dúvida, aquele era um vergonhoso espetáculo de acomodação. Porém, Deus sempre tem um remanescente fiel. Entre as pessoas que escarneciam de Antíoco começou a surgir um movimento de insatisfação popular. Esses homens se denominavam Hassidim, palavra hebraica que quer dizer “os santos”. Por sua resistência à profanação da fé, muitos foram presos, flagelados e executados.
O hipódromo na maquete de Jerusalém.


A dedicação do Templo

As coisas realmente iam mal em Jerusalém. Todos os decretos emitidos em 169 a.C. entraram em vigor em 167 a.C., quando Antíoco enviou à cidade um emissário com um grande exército. Os soldados saquearam Jerusalém e levaram cativos mulheres e crianças. Além disso, a maior parte dos rolos sagrados foi rasgada e queimada. A morte era o castigo para os que guardavam o sábado e os dias santos. Uma imagem de Zeus foi colocada sobre o Grande Altar do Templo e, como se isso não fosse o bastante, os sacerdotes receberam ordem de sacrificar porcos no altar. Essa profanação em particular ocorreu no dia vinte e cinco do mês de kislev (novembro/dezembro).
Mas a medida se encheu e uma rebelião em grande escala explodiu na Judéia. O confronto que desencadeou a revolta ocorreu numa colina que margeia a estrada que vai de Jerusalém a Yaffa, numa pequena cidade chamada Modein. Um destacamento de soldados chegou à cidade para forçar os habitantes a sacrificarem um porco aos deuses pagãos. No meio do povo estavam um velho sacerdote chamado Matatias e seus filhos. Segundo o livro apócrifo de 1 Macabeus, considerado uma boa fonte histórica, embora extra-bíblica, o comandante chegou diante de Matatias e disse:
Possuis nesta cidade notável influência e consideração, teus irmãos e teus filhos te dão autoridade. Vem, pois, como primeiro, executar a ordem do rei, como o fizeram todas as nações, os habitantes de Judá e os que ficaram em Jerusalém. Serás contado, tu e teus filhos, entre os amigos do rei; a ti e aos teus filhos o rei vos honrará, cumulando-vos de prata, de ouro e de presentes (1 Macabeus 2.17-18).
Matatias, ofendido por essa intromissão perversa, respondeu:
Ainda mesmo que todas as nações que se acham no reino do rei o escutassem, de modo que todos renegassem a fé de seus pais e aquiescessem às suas ordens, eu, meus filhos e meus irmãos, perseveraremos na Aliança concluída por nossos antepassados. Que Deus nos preserve de abandonar a lei e os mandamentos! Não obedeceremos a essas ordens do rei e não nos desviaremos de nossa religião, nem para a direita, nem para a esquerda (1 Macabeus 2.19-22).
Que discurso ousado! Com suas palavras, Matatias expressou os sentimentos de muitos homens e mulheres fiéis a Deus. Mas, apesar disso, um judeu amedrontado saiu do meio da multidão e subiu ao altar para sacrificar o porco:
Viu-o Matatias e, no ardor de seu zelo, sentiu estremecerem-se suas entranhas. Num ímpeto de justa cólera arrojou-se e matou o homem no altar. Matou ao mesmo tempo o oficial incumbido da ordem de sacrificar e demoliu o altar. Com semelhante gesto mostrou ele seu amor pela lei, como agiu Finéias a respeito de Zamri, filho de Salum. Em altos brados Matatias elevou a voz então na cidade: Quem for fiel à lei e permanecer firme na Aliança, saia e siga-me. Assim, com seus filhos, fugiu em direção às montanhas, abandonando todos os seus bens na cidade (1 Macabeus 2.24-28).
Foi organizado um poderoso exército de guerrilheiros que incluía os hassidim. Quando Matatias morreu, seu filho Judas assumiu o comando e, sob sua liderança, os objetivos da revolta se ampliaram. A partir desse momento, além de lutarem pela liberdade religiosa, os rebeldes passaram também a perseguir a plena independência política. Judas logo recebeu a alcunha de Macabeu que, segundo alguns estudiosos, significa “martelo”. Esse apelido refletia sua tática de guerrilha, baseada em rápidos ataques que golpeavam o inimigo como um martelo.
Finalmente, Jerusalém e o Templo foram reconquistados, mas a cidade era um espetáculo terrível. As portas estavam queimadas, o santuário desolado e o altar do Templo contaminado. Prostrando-se sobre seus rostos e jogando cinzas sobre a cabeça, os vencedores choraram. Em seguida, foram escolhidos sacerdotes fiéis para purificar o Templo. Eles removeram as pedras do altar profanado e construíram um novo (1 Macabeus 4.36-43).
O novo altar foi dedicado a Deus no mesmo dia e mês em que o antigo tinha sido profanado, ou seja, no vigésimo quinto dia de kislev. A celebração durou oito dias, e todo o povo adorou e louvou a Deus, cantando hinos e se alegrando com harpas e címbalos. A festa judaica de Hanukah, que significa “dedicação”, comemora essa vitória até os dias de hoje.
A guerra continuou até a vitória final dos macabeus. Mas o que fora conquistado com tanto esforço logo se perdeu. Uma nova potência mundial surgiu para substituir os gregos: Roma. Contudo, por um breve período em sua tumultuada história, o povo judeu pôde sentir novamente o gosto da liberdade. Considera-se que o período dos macabeus foi a última era de independência judaica na terra de Israel até o nascimento do moderno Estado de Israel, em 1948.
Considera-se que o período dos macabeus foi a última era de independência judaica na terra de Israel até a proclamação do moderno Estado de Israel, em 1948 (na foto).


Podemos tirar várias lições práticas desse antigo conflito. Em primeiro lugar, assim como Matatias e seus filhos demonstraram coragem diante de Antíoco, apesar do caráter perverso do rei, a fidelidade a Deus nos dá intrepidez diante dos homens cruéis (Provérbios 21.30-31). No mundo sempre haverá homens que desafiam a vontade de Deus, mas a Bíblia exorta os crentes a permanecerem firmes e honrarem ao Senhor; e Ele lhes dará a vitória.
Em segundo lugar, por intermédio de Antíoco, Satanás tentou destruir o povo de Deus e inviabilizar o plano divino para todas as eras, isto é, a vinda de Jesus, o Salvador. Hoje em dia, Satanás continua procurando meios de frustrar os propósitos de Deus, instigando o ódio a Israel e a todos os que amam a Cristo. Mas nossa batalha espiritual é realizada “não por força nem por poder, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos” (Zacarias 4.6).
Da mesma forma que o pequeno grupo de macabeus enfrentou o grande exército selêucida, o conflito espiritual é, às vezes, uma luta entre forças desiguais. Se não confiarmos em Jesus, “o Autor e Consumador da fé” (Hebreus 12.2), não poderemos resistir ao inimigo, seja ele grande ou pequeno.
Por último, o Templo foi profanado; mas tornou a ser purificado. Da mesma maneira, o templo do nosso corpo pode ser profanado, mas através da confissão (1 Jo 1.9) e da renovação (Romanos 12.1-2; 1 Coríntios 6.19-20) podemos nos consagrar novamente a Deus e ao Seu serviço.
Os distúrbios iniciados pelos manifestantes ortodoxos no local das escavações não duraram muito. Aliás, nenhum osso de macabeu foi roubado ou encontrado. A agitação foi um golpe publicitário. Entretanto, a heróica Revolta dos Macabeus realmente aconteceu e ainda inspira a nossa fidelidade e confiança em Deus. (Peter Colón - Israel My Glory - http://www.beth-shalom.com.br)
Publicado anteriormente na revista Notícias de Israel, março de 2005.

2 comentários:

Anônimo disse...

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