terça-feira, 4 de maio de 2010

A Doutrina da Justificação


A doutrina da salvação na teologia evangélica seria pobre sem a doutrina da justificação.A doutrina da salvação abrange várias outras doutrinas como expiação, redenção, propiciação, reconciliação, regeneração e, entre as quais, a justificação. A salvação só se torna possível ao pecador mortal, não por mérito do mesmo, mas porque “a justificação é o ato da graça divina pelo qual Deus declara justificada a pessoa que põe a sua fé em Jesus Cristo como o seu substituto e Salvador”(1). O PONTO DE PARTIDA PARA A JUSTIFICAÇÃO A razão pela qual a Bíblia declara que a justificação só é alcançada pela fé está no fato de que o pecador não tem a menor possibilidade de libertar-se de sua culpa condenatória por méritos humanos ( seus ou de outros) ou por esforços religiosos. Em relação ao estado pecador do homem a justificação tem sentido judicial baseado na justiça perfeita de Cristo feita no Calvário. Ele é justificado, não por mérito seu, mas pelo ato declarativo de Deus que o torna justo. A declaração paulina em Romanos 5.1, diz: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo”. A justificação é, portanto, um ato legal da justiça de Deus alicerçado na fonte de sua Graça, o favor de Deus para o pecador incapaz de salvar por si mesmo. A paz com Deus diz respeito ao acesso garantido ao Trono da Graça mediante o ato justificador feito por Jesus no calvário. No decurso da história da Igreja, desde os seus primórdios dias, os pais da igreja ( as primeiras lideranças) foram formulando as doutrinas cristãs baseados nos ensinos de Cristo e nos ensinos do Antigo Testamento. Porém, ao longo desse período da historia, influencias filosóficas, especialmente, as gnósticas, produziram conceitos deturpados acerca das doutrinas básicas do cristianismo, tais como salvação, obras, justificação, sacerdócio cristão, perdão, estado dos mortos, estado eterno e outras mais. As facções no cristianismo, especialmente, entre o romanismo e o protestantismo, estabeleceram as diferenças doutrinárias, as quais, até hoje, influenciam o pensamento cristão. Não temos espaço suficiente para discutir essas diferenças, mas tentaremos distinguir algumas delas, principalmente, com a doutrina da “justificação pela fé”. UM VISLUMBRE NA IGREJA DA IDADE MÉDIA As divergências teológicas começaram em torno da divindade e humanidade de Cristo discutidas nos vários concílios da Igreja de então. Entretanto, a doutrina da “justificação pela fé” foi um dos elementos divisores da cristandade ocidental na “idade média”( Século 15), especialmente com Martinho Lutero e, depois dele, Calvino e outros mais, que protestaram contra os abusos medievais da igreja romana. A tentativa de Lutero era a de corrigir os erros doutrinários da igreja romana e oferecer interpretação correta dos conceitos bíblicos de doutrina cristã. Foi a partir dessa discussão, com a publicação e exposição das 95 teses de Lutero afixadas na porta da igreja do Castelo de Wittenberg a 1º. De outubro de 1517, na Alemanha, que Lutero fez valer sua tese contra a venda de indulgências ( venda de perdão de pecados) e reforçou seu argumento, entre outras doutrinas, a justificação pela fé. A expressão “justificação pela fé” não havia despontado como um conceito doutrinário naquela época e, então, a busca para encontrar uma resposta aos abusos sacramentais da igreja romana e refutar suas heresias permitiu a Lutero e outros mais descobrirem a importância dessa expressão em relação ao pensamento de Paulo em suas epistolas, especialmente, Romanos e Gálatas. O conceito que prevalecia na Idade Média era o conceito de Agostinho que “havia ensinado a completa imcapacidade do pecador e fizera que este se voltasse para a igreja e para as suas atividades sacramentais” (2). Parte desse conceito é aceitável, mas os reformadores, a despeito de respeitarem a Agostinho como grande teólogo, concordaram com a idéia da “incapacidade do pecador de se justificar”, mas divergiram dele, porque entenderam que o pecador pode fazer valer sua fé em Cristo, sem a intervenção de qualquer sacramento. Os reformadores entenderam que a questão do pecado e da salvação é definida pela crença de que o homem, por si só, nada pode fazer para salvar-se da condenação eterna, senão pela fé na obra expiatória de Cristo Jesus. O pecador reconhece Jesus como Salvador e remidor de sua alma independente de qualquer esforço para adquirir a salvação, e mediante um ato de fé apenas, ele é justificado diante de Deus, pela justiça feita por Cristo Jesus.
CONCEITUAÇÕES HISTORICAS E MODERNAS - Para a teologia evangélica a doutrina da justificação pela fé tem uma apreciação especial, talvez, como uma das mais importantes no cômputo teológico das doutrinas bíblicas. Todo e qualquer conceito sobre a “justificação”como doutrina só é válida a partir do seu fundamento principal: a própria Bíblia, em especial, o Novo Testamento. O pensamento do Apóstolo Paulo. Na verdade, quaisquer nomes surgidos posteriormente na discussão dessa doutrina, desde os Atos dos Apóstolos, não havia duvidas quanto ao ensino da justificação pela fé como uma doutrina puramente bíblica, sem precisar nenhum acréscimo ou decréscimo. A começar pelos ensinos do Apóstolo Paulo, nas suas cartas e epistolas às igrejas do primeiro século da Era Cristã, especialmente, Romanos e Gálatas. Paulo argumentou na Carta aos Romanos que Israel apostatou da crença da justificação pela fé, preferindo o exercício de obras exteriores, como os sacrifícios e regras mosaicas para ter a ilusão de obter justificação pelas obras. Paulo acusa os israelitas de desconheceram a justiça de Deus e, por isso, estabeleceram sua própria justiça, para não se sujeitarem à que vem de Deus ( Rm 10.3). Na teologia de Paulo nos capítulos 1 a 3 de Romanos, vemos a incapacidade total do homem pecador se justificar devido à total falta de senso de justiça e de retidão do mesmo por causa do pecado ( Rm 3.10-18). Antes de Cristo, o veredito final de Deus contra o pecado condenava totalmente o homem sem nenhuma alternativa humana ou religiosa para mudar a sua sorte. Entretanto, a partir do capitulo 3.21, Paulo faz uma declaração que reascende a chama da possibilidade de justificação do homem diante de Deus. A expressão: “Mas agora...”(v.21) constituída de duas palavrinhas produzem a mudança radical e fundamental capaz de mudar a sorte do pecador condenado. Foi um novo caminho que se abriu para o pecador se justificado diante de Deus mediante um ato de justiça que seria satisfeito pela “justiça perfeita” efetuada por Cristo no calvário, o qual cumpriu todas as exigências da lei, em nosso lugar ( 1 Co 1.30; 2 Co 5.21; Tg 2.23). A lição básica dessa doutrina é que aqueles que confiam em Cristo para a justificação pela fé somente recebem uma justiça perfeita feita que lhes é atribuída ( Rm 5.8,9). A mistura de fé e obras é o mesmo que apresentar o mérito de justiça própria aliada à fé para receber a justificação diante de Deus. Essa mistura dilui o sentido autêntico da justificação pela fé, porque não evidenciaria uma justiça original e perfeita. O pensamento de Martinho Lutero. Ele qualificou a doutrina da justificação como a doutrina de sustentação ou perdição de uma igreja. Ele entendia ainda que a doutrina da justificação tem a ver como Deus aceita ao pecador arrependido. Lutero reúne a justificação, a regeneração e a adoção como implícitas entre si e que uma não pode ocorrer sem as outras, ainda que sejam distintas como doutrinas. A justificação pela fé é indicada como “o principio sola fide da Reforma Protestante, e diz a história que “Martinho Lutero o definia como sendo o artigo que determinava se uma igreja estava de pé ou caindo”(3). O pensamento de John Wesley. No século 18, um dos maiores lideres avivalistas na Europa, pai do Metodismo, declarou que “a justificação não é o tornar-se atualmente justo e reto. Isto é santificação, que é, realmente, até certo ponto, o fruto imediato da justificação, mas contudo, é um dom distinto de Deus e de natureza totalmente diferente”. Wesley entendia que a justificação não significava o libertar-nos da acusação, particularmente da de Satanás. Que a acusação de nosso acusador, o Diabo, não é aceita, porque a justificação do pecador é feita pelos méritos de Cristo que se fez justiça por nós. Ensinava ainda que a justificação, do ponto de vista da Bíblia, era o perdão de pecados. Era o ato de Deus, o Pai, pelo qual, pela propiciação feita pelo sangue de seu Filho, ele mostrou justiça pela remissão dos pecados passados. Ensinou, também, que “três coisas devem caminhar juntas na nossa justificação: da parte de Deus, a sua grande misericórdia e graça; da parte de Cristo, a satisfação da justiça de Deus, pela oferenda do seu corpo e o derramamento do seu sangue; e da nossa parte, fé viva e verdadeira nos méritos de Jesus Cristo”. A lição que Wesley deixa é que tudo o que Deus requer de nós é fé viva e verdadeira, acompanhada de arrependimento, esperança e amor os quais se unem com a fé em todas as pessoas que são justificadas. O pensamento de Myer Pearlman. Foi um teólogo conhecido no meio evangélico no século 20, era judeu de nascimento e dedicou-se, especialmente, a ensinar a Palavra de Deus. Esse autor e teólogo influenciou com sua Teologia Sistemática intitulada : “Conhecendo as doutrinas da Bíblia” algumas gerações de obreiros no mundo inteiro. A respeito da doutrina da justificação, Myer Pearlman escreveu: “Justificação é primeiramente subtração, o cancelamento dos pecados; segundo, adição, ou seja, imputação de justiça”. Disse mais Pearlman: “Justificação é primeiramente mudança de posição da parte do pecador, o qual antes era um condenado; agora, porém, goza ele de quitação. Antes estava sob a condenação, mas agora participa da divina aprovação. Justificação reúne mais do que perdão dos pecados e a remoção da condenação, pois no ato da justificação Deus coloca o ofensor na posição de justo”. Quando falamos de salvação significa que ela é a justiça imputada ao pecador. A fé é o único elemento da parte do pecador que lhe dá condições de ser justificado. O pensamento de Russell P. Shedd. Teólogo atual no Brasil escreveu que “o coração vivo do Evangelho está na doutrina da justificação pela graça apenas por meio da fé. Dentre os presentes de Deus ao homem, nenhum se compara com as boas novas de que Deus, gratuitamente, justifica pecadores que aceitam seu perdão”. O pensamento de Stanley M. Horton. Teólogo contemporâneo das Assembléias de Deus declarou em sua “Teol.Sist.,pg.372, CPAD, que “assim como a regeneração leva a efeito uma mudança em nossa natureza, a justificação modifica a nossa situação diante de Deus. O termo “justificação” refere-se ao ato mediante o qual, com base na obra infinitamente justa e satisfatória de Cristo na cruz, Deus declara os pecadores condenados livres de toda a culpa do pecado e de suas conseqüências eternas, declarando-os plenamente justos aos seus olhos”. O pensamento de Eurico Bergsten. Foi missionário europeu no Brasil por mais de 50 anos e influenciou com seus ensinos o pensamento teológico das Assembléias de Deus no Brasil. Em sua Teol.Sist., CPAD, ele definiu “a justificação como um ato da graça de Deus, pelo qual, ele imputa à pessoa que crê em Jesus a justiça de Cristo e a declara justa”. ASPECTOS GERAIS DA JUSTIFICAÇÃO Definição da doutrina Um certo autor passado declarou que a doutrina da justificação é semelhante a uma moeda de duas faces, a humana e a divina. As duas faces são distintas e devem ser tratadas sob esta dupla perspectiva teológica. Sob o ponto de vista humano, a justificação é fruto da graça de Deus que, por não termos mérito algum, nos amou acima de nossos pecados. Está escrito que “somos justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus”( Rm 3.24), indicando que a justificação do pecador não depende da observância da lei nem da prática de boas obras ( Rm 3.21,28). O outro lado da moeda, do ponto de vista de Deus, a justificação não é um ato de graça, mas um ato de justiça. Entende-se, portanto, que a justificação é uma declaração da parte de Deus que, declara a satisfação plena da lei, em relação ao pecador ( réu). A lei não cumprida não é satisfeita por qualquer espécie de justiça, senão a perfeita justiça de Cristo cumprida o seu veredicto na cruz do calvário. Que significa Percebemos um contraste duas palavras inseridas no texto que trata da justificação que são “justificar” e “condenar” conforme estão no texto de Rm 3.33,34 e, então, precisamos entender o seu sentido. “Condenar” alguém não significa meramente “torná-lo” culpado, mas significa “declarar” que é culpado. Do mesmo modo, “justificar” alguém de uma culpa não significa “torná-lo”, mas “declará-lo” sem qualquer culpa. Significa justiça imputada. O que se entende por justiça imputada? A igreja romana adotou a resolução doutrinária do Concilio de Trento que não via a obra da justificação como um ato único e perfeito na vida do pecador, mas que precisava das boas obras para se obter, preservar e aumentar a justificação. Esse mesmo concilio repudiava o ensino da Reforma de que “a justiça perfeita de Cristo era atribuída como crédito na conta do pecador, como base da nossa aceitação diante de Deus. A doutrina católico-romana vê a justificação como um processo, e não como um ato declarativo de Deus. A justiça imputada é aquela justiça efetuada no calvário e, Deus, como Justo Soberano toma a justiça de Cristo e a torna em justiça Sua, isto é, justiça que Ele atribui ao pecador. No Sermão do Monte Jesus fez uma declaração: “se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céu”( Mt 5.20). Esta declaração fora feita a um cobrador de impostos que era injusto e impio, mas declarou que aquele homem estava justificado perante Deus. Que justiça desse homem poderia exceder a dos escribas e fariseus ? Nenhuma justiça própria daquele homem ímpio poderia salvá-lo da condenação. Somente uma justiça perfeita e a única era a justiça divina, pois somente Ele poderia declarar aquele homem justo, uma vez que ele não tinha nada, por isso, recebeu uma justiça superior, que não era dele próprio ( Mt 5.28; Fp 3.9). A justiça lhe foi atribuída mediante a fé ( Rm 4.9-11). Ora, como entender que aquele homem recebeu justificação, senão, pelo fato de Deus imputar justiça, isto é, um substituto sem defeito para receber os seus pecados e cravá-los na cruz. Significa justificação pela fé somente O apóstolo Paulo, dentre os autores neotestamentarios, foi o autor que mais tratou dessa doutrina de modo preciso e objetivo. Em Romanos 3.24-26, ele escreveu: “Sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus; a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé... tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus”. Logo a seguir em Rom 5.1, Paulo diz: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo”. Na Carta aos Gálatas 2.16, Paulo escreveu: “sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois por obras da lei, ninguém será justificado”. Naturalmente, precisamos entender que a fé é causa instrumental, e não causa meritória para se obter a salvação. Ela é apenas o meio pelo qual recebemos a declaração justificadora da parte de Deus ( Rm 10.9,10).

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