quinta-feira, 20 de março de 2008

ESTUDO - Facções espíritas

Texto por Jamierson Oliveira

Unidade é a palavra de ordem de quase todos os movimentos, sejam políticos, sociais ou religiosos. Um exemplo desse esforço gigantesco por união é o cenário político brasileiro atual. Quem sempre foi oposição, agora é situação, e vice-versa, gerando conflitos internos e divergências jamais esperados, inclusive quanto às “doutrinas” básicas e ideológicas que nortearam tais partidos ao longo das décadas.
Da mesma forma, os fundadores ou líderes de religiões e seitas se preocuparam ao máximo em conseguir manter seus seguidores unidos. Alguns obtiveram certo êxito; outros, no entanto, viram, ainda em vida, suas idéias esfaceladas. Mas, na verdade, ninguém conseguiu pleno resultado nessa empreitada. Não obstante, usar esse atributo como pretexto de “religião verdadeira” é uma arma amplamente utilizada pelos adeptos de seitas, principalmente contra o cristianismo, acusando-o de ser a religião mais fragmentada da história, de ter divergências doutrinárias, enfim... de ser uma falsa religião.
Todavia, o tempo tem sido o melhor apologista em favor da verdade. Tais seitas, ao que parece, não conhecem sua própria história e situação atual, encobrem suas facções e, com o dedo em riste, insistem em sua acusação. As testemunhas-de-jeová, por exemplo, publicaram o seguinte, em sua revista oficial: “...Os genuínos cristãos são agora ajuntados em toda a terra numa fraternidade unida. Quem são eles? São os da congregação cristã das Testemunhas de Jeová...”.1 Mas o que podemos conhecer pela história é algo totalmente diferente. Encontraremos uma seita dividida e com profundos problemas de identidade e inaceitáveis contradições doutrinárias.
Essa hipocrisia também pode ser vista em muitas outras seitas, e com o espiritismo não é diferente. Na obra O livro dos espíritos, Allan Kardec, em suas palavras finais, reproduz as palavras dos espíritos referindo-se ao espiritismo: “... Nuvem alguma obscurece a luz verdadeiramente pura; o diamante sem jaça é o que tem mais valor: se é certo que, entre os adeptos do espiritismo, contam-se os que divergem de opinião sobre alguns pontos da teoria, menos certo não é que todos estão de acordo quanto aos pontos fundamentais. Há, portanto, unidade...”. E mais. Vejamos a afirmação que, segundo ele, ouviu do espírito de Agostinho: “O espiritismo é o laço que um dia os unirá, porque lhes mostrará onde está a verdade, onde o erro...”.3
Mas bem diferente do que afirma Kardec, e do que gostariam os espíritas, o espiritismo é, na verdade, uma grande colcha de retalhos. Ou melhor, nas palavras do estudioso espírita Mauro Quintella: “Como toda corporação, o movimento espírita brasileiro não é uma rocha monolítica, do ponto de vista filosófico”.4
Hoje, é fato conhecido por todos os estudiosos de religiões que no espiritismo não existe a tão sonhada unidade predita por Kardec. Os espíritas latinos são os mais fracionados e alguns grupos, como os ingleses,5 por exemplo, chegam a negar doutrinas consideradas fundamentais por Allan Kardec, inclusive a reencarnação.
A seguir, os diferentes grupos espíritas e seus ensinos.

Escolas espíritas
1) Ortodoxos. É o kardecismo, considerado tradicional, que não permite interpretações diferentes do “pentateuco” de Allan Kardec diante daquilo que julga ser o correto. Não tolera a presença de outros espiritismos, antes, considera-os apenas grupos espiritualistas.
2) Roustainguistas. São orientados por João Batista Roustaing, um advogado contemporâneo de Kardec. Diferentemente dos tradicionais, ensinam que o corpo de Jesus não era real, apenas aparente. Existe forte oposição entre ambos os grupos, inclusive na literatura há obras aceitas e rejeitadas.
3) Científicos. Também chamados de Laicos. No século 19, foram liderados pelo professor Angeli Torteroli. Formavam uma frente de oposição aos chamados “místicos”. Entre outras coisas, procuravam desassociar o espiritismo do cristianismo.
4) Místicos. Liderados por Bezerra de Menezes, um dos primeiros presidente da FEB e chamado, por muitos, de o Kardec brasileiro. Supervalorizam o lado religioso da doutrina espírita e se consideravam os cristãos verdadeiros.
5) Ubaldistas. Grupo influenciado pelos livros do famoso médium italiano Pietro Ubaldi. Chamado de “reencarnação de São Pedro”, Ubaldi morou vários anos no Brasil. Apesar de reencarnacionista, era panteísta, e propôs, em suas obras, uma evolução cósmica do kardecismo.
6) Armondistas. Grupo liderados por Edgar Armond, fundador da Aliança Espírita Evangélica. Armond também é um importante colaborador do desenvolvimento do espiritismo no Brasil. Por ter sido esotérico, é acusado, pelos ortodoxos, de “orientalizar” Kardec.
7) Emmanuelistas. Grupo conduzido pelos ensinamentos de Emmanuel, o espírito-guia de Chico Xavier. Entre outras contradições com o kardecismo, crêem na existência de animais no plano de vida espiritual.
8) Ramatisistas. A escola ramanista segue os ensinamentos do espírito-guia Ramatis, por meio do médium Hercílio Mães. Pregam que Jesus é, na verdade, um anjo que serve de médium ao Cristo Planetário. São vegetarianos e esotéricos.
9) Paganizantes. Sob a liderança de Carlos Imbassahy, rejeitam a expressão “espiritismo cristão” e negam qualquer fundamentação bíblica do espiritismo. É de Imbassahy a seguinte afirmação: “Nem a Bíblia prova coisa nenhuma nem temos a Bíblia como probante [...] O espiritismo não é um ramo do cristianismo como as demais seitas cristãs. Mas a nossa base é o ensino dos espíritos, daí o nome espiritismo”.
10) Dialéticos. É a escola espírita dialética, cujo mestre latino foi o argentino Manuel S. Porteiro. Entre outras particularidades, a doutrina porteriana busca provar a evolução biológica e espiritual até o homem.
11) Transcomunicadores. Grupo que forma a ANT (Associação Nacional de Transcomunicadores), ou, como se auto-intitulam, “comunicantes”. Diferentes da prática mediúnica, esses neo-espíritas buscam a comunicação com o mortos por meio de equipamentos eletrônicos.
12) Espiritualistas. São os espíritas que crêem não existir no homem apenas matéria, o que, absolutamente, não implica na necessidade de crerem nas manifestações dos espíritos. Há grande confusão no uso desse adjetivo entre os espíritas.
13) Outras correntes e tendências. Conforme os “líderes” ou “espíritos-guia” (como, por exemplo, Yokanam, tia Neiva, André Luiz, entre outros), várias peculiaridades doutrinárias vão-se formando, criando uma identidade própria. Por isso, existem infinidades de “denominações” espíritas no mundo.

Movimento de reforma
1) Grupo Espírita Bezerra de Menezes. Criado em 1992, tem como objetivo, conforme declarado no site que disponibiliza na Internet: www.novavoz.org.br, uma ferrenha manifestação contra as FEB´s e todos os demais grupos espíritas acima mencionados, acusando-os de sincretismo, brigas internas, disputas doutrinárias, etc. O objetivo das instituições espíritas associadas é a formação da União Espírita Reformista em oposição à FEB (Federação Espírita Brasileira). O objetivo é deixar o movimento espírita e formar uma nova seita denominada Renovação Cristã.

Grupos neo-espíritas
1) Umbandistas. É o espiritismo à moda brasileira. Origem: mistura de crenças espiritualistas dos escravos bantos (África), dos indígenas brasileiros e do catolicismo romano. Tudo isso encontrou no Brasil um terreno já fertilizado pelo espiritismo kardecista. Os umbandistas também fazem uso da mediunidade, crêem na reencarnação, praticam a caridade e outras similaridades.
2) Legionários (A Legião da Boa Vontade). O nome completo do fundador é Alziro Elias Davi Abraão Zarur, considerado por eles a reencarnação de Allan Kardec. Para a LBV, Allan Kardec não concluiu sua obra e, por isso, Alziro Zarur veio completá-la.
3) Racionalistas (Racionalismo Cristão). Seita espírita fundada em 1910 pelo português Luiz de Matos, inimigo do kardecismo. Acusam o espiritismo de ter-se tornado mais uma seita cristã entre tantas e propõem um espiritismo regido apenas pelas leis naturais.
4) Outros grupos espíritas esotéricos e/ou sincretistas. Ordem Rosa-Cruz, Cabala, Teosofia, Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento, A Esfera, Ordem dos Iluminados, Ordem Esotérica do Mentalismo, Gnosticismo, Logosofia, Cultura Racional Superior, Quimbanda, Candomblé, Xangô, Babaçuê, Pajelança, Catimbó, etc.
Dessa forma, fica demonstrado inequivocamente que, pelo menos por essa argumentação, os espíritas não podem se defender. Melhor dizendo, não podem afirmar que são a verdadeira religião devido à sua evidente unidade. Em verdade, entre os espíritas não há unidade de grupos nem de doutrinas, tal como ocorre nas demais seitas.

Desafio evangelístico
Em 2004, comemorou-se o bicentenário do nascimento de Allan Kardec. E, passados esses dois séculos, tem-se percebido que, em muitos países europeus, o espiritismo tem diminuído de forma significativa. Na França, por exemplo, quase não existem mais. Inclusive, em 1985, foi fundada a União Espírita Francesa, justamente para reimplantar o espiritismo naquele país e em outros de língua francesa.
Embora o espiritismo tenha fracassado na França, no Brasil, porém, essa doutrina encontrou condições ideais para seu crescimento. Segundo consta, somos a maior nação espírita do mundo. Pesquisa realizada pelo Vox Populi constatou que 59% da população brasileira acredita que já teve outras vidas. Mas isso é um tremendo contra-senso, porque somente 3% dos brasileiros se declararam espíritas. Todavia, isso significa que pelo menos um dos princípios espíritas, a reencarnação, encontrou um ambiente propício para seu desenvolvimento em nosso país.
Oremos pelos espíritas. Oremos pelo Brasil! (1Tm 4.12).

_____________notas _______
1A Sentinela, 1o de julho de 1994.
2Revista Defesa da Fé, edição de agosto de 2003. Foi publicada uma extensa reportagem sobre as facções russelitas.
3Maior teólogo cristão depois do apóstolo Paulo. Era natural de Numíbia, África (século 3o)
4Extraído do artigo “O problema dos adjetivos: quando jamais usar”, publicado, originalmente, no jornal Correio Fraterno do ABC, 1994.
5No V Congresso Internacional de Barcelona (1934), depois de grandes discussões, ficou estabelecido que: “os espíritas latinos e hindus, representados pelos delegados da Bélgica, Brasil, Cuba, Espanha, França, Índia, México, Portugal, Porto Rico, Argentina, Colômbia, Suíça e Venezuela, afirmam a reencarnação como lei de vida progressiva, segundo a frase de Allan Kardec: “Nascer, morrer, renascer e progredir sempre”, e a aceitam como uma verdade de fato. Os espíritas não latinos, representados no Congresso pelos delegados da Inglaterra, Irlanda, Holanda e África do Sul, consideram não haver demonstração suficiente para estabelecer a doutrina da reencarnação formulada por Kardec. Cada escola, portanto, fica em liberdade para proclamar as suas convicções a respeito de reencarnação”.
6Muitos espíritas kardecistas não consideram esses grupos como espíritas. No entanto, a FEB (Federação Espírita Brasileira), que é kardecista, em nota oficial no Reformador (órgão oficial da entidade), de julho de 1953, p. 149, declarou: “Baseados em Kardec, é-nos lícito dizer: todo aquele que crê nas manifestações dos espíritos é espírita; ora, o umbandista nelas crê, logo, o umbandista é espírita”.
7Muitos desses grupos são historicamente mais antigos que o kardecismo, mesmo assim, já sustentavam doutrinas hoje espíritas. Outros, mais recentes, foram fortemente influenciados pelos pensamentos de Allan Kardec, inclusive, alguns foram grupos espíritas na sua origem, mas, com o tempo, tornaram-se autônomos e distintos, apresentando similaridade e diferenças em seu corpo doutrinário.

MATÉRIA EM VERSÃO INTEGRAL DA EDIÇÃO DA REVISTA POVOS nº 6

Um comentário:

RICARDO disse...

Faltou vossa santidade falar dos chantagistas de dízimos.