segunda-feira, 19 de julho de 2010

NEVERLAND


A morte súbita de Michael Jackson e a tsunami produzida pela mídia traz à tona situações e manifestações perfeitamente compreensíveis a todos os seres humanos em todas as partes do mundo.
A primeira a considerar deve ser a nossa necessidade de ídolos, mitos e figuras paradigmáticas que nos ajudam a sonhar com uma condição além da realidade – em que todos buscamos um novo rosto, a face ideal do ser, a figura transfigurada naquilo que gostaríamos de parecer!
Ele é o real e o imaginário que se confundem em um ser inacabado, misto de fantasia inatingível e realidade possível, personagem enigmático -representando no palco da vida sátira e tragédia, glórias e sofrimentos, luzes e sombras – simultaneamente muito amado, e muito infeliz…
Todos, sem exceção, temos algumas peças daquele complexo azulejo retratado na vida de Michael Jackson, incrustados em nossa personalidade e aí está a resposta para a – até então nunca vista na história – manifestação de pesar por todo o planeta.
Quem não teve em sua infância “ seu ratinho Ben, morto” ainda que como parte de nosso imaginário?
E o que dizer da confissão no programa de Opra Winfrey de que não costumava se olhar no espelho por se considerar feio e não suportar encarar sua própria imagem?
E os tratamentos cruéis sofridos por parte do pai?
E a infância não vivida por conta das cobranças e responsabilidades que teve de assumir como se fosse adulto?
Michael Jackson explica nossas ambivalências, nossa fuga da realidade, os muitos “eus” que se entrechocam na construção sempre inacabada de nossa personalidade – negra, branca, adulta e infantil!
A segunda coisa a considerar é “Neverland”: o mundo real é por demais doloroso para se viver o tempo todo nele – Michael Jackson quer ser Peter Pan, e necessita de sua “ Ilha da fantasia” como refúgio de seu sonho.
Ali estão os animais e as crianças (longe do mundo cruel dos adultos), imersas na atmosfera mágica de um mundo quimérico, que é a esperança de todos nós de transcender a realidade, rompendo os limites da condição humana.
Afinal, por que deveríamos estranhar isso?
Filósofos, poetas, escritores e profetas, cada qual a seu modo, construiu a sua “Neverland” sem a qual a realidade seria impossível de ser suportada!
Seja na legendária Itaca ( pátria de Ulisses), na mitológica Atlântida de Platão, na Utopia de Thomas More, na Cidade do Sol de Tommaso de Campanella ou mesmo na idéia do céu ou paraíso como fuga, vamos encontrar o mesmo sentimento expresso em diferentes formas: há esse espaço utópico, essa “ Neverland” dentro de cada um de nós!
Talvez, por isso, o desfecho da vida de Michael Jackson tenha causado tanta comoção em todo o mundo: porque, em certo sentido, ninguém pode dizer que não faz parte dessa história – onde o mito se mistura a realidade – indo desde a fantasia infantil povoada por bruxos e fadas, passando pela fantasia hedonista de uma sociedade obcecada pelo esteticamente perfeito - onde se vive a farsa do bem-estar consumista como objetivo supremo - até a religiosidade cega que apresenta paraísos imaginários - onde multidões que projetam suas ilusões se recusam a crescer e encarar a vida real vivida fora dos palcos onde cada um de nós, querendo ou não, tem de viver seu papel.

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