Por Tiago Lino Henriques
Poucas palavras de Jesus foram tão impactantes quanto as que ele proferiu em seu maior sermão, o sermão da montanha. Levando-se em consideração o contexto político, histórico e religioso, elas, no mínimo, soaram surpreendentes. Isso porque qualquer pessoa ali presente esperava ouvir exatamente o contrário do que foi dito por Jesus, desde as bem-aventuranças até a parábola dos dois fundamentos, no final do capitulo 7 de Mateus. Jesus desestabilizou os fundamentos religiosos que seus ouvintes tinham recebido até então.
Como tornar-se simpático a uma mensagem que se inicia declarando felizes – felizardos, bem aventurados – justamente aqueles que são identificados, tanto por nossa geração quanto pelas passadas, como pessoas fracas e dignas de pena? Como imaginar, no tempo em que os mais perspicazes são os admirados e os que não “engolem sapos” alcançam seus objetivos, que os mansos, os limpos de coração e os misericordiosos herdarão a terra, alcançarão misericórdia e verão a Deus?
Como imaginar alguém feliz por chorar, por buscar a justiça como se busca o alimento diário numa sociedade cada vez mais injusta e desigual? E mais: ser considerado feliz por ser perseguido e zombado por causa dessa mesma justiça? Que conceito de vida e felicidade é essa que Jesus quis transmitir? E mais: que conceitos são esses transmitidos em nosso tempo? Essas são perguntas cruéis. De uma coisa não podemos negar: de maneira magnífica o Reino dos Céus e sua justiça foram expostos por Jesus e Ele deixou bem claro que, na sua essência, eles se opõem ao sistema estabelecido, que chamamos mundo.
Diariamente somos confrontados com os valores que recebemos do mundo e com os que a Bíblia nos ensina sobre a felicidade. Os do mundo, passageiros e superficiais; os da Bíblia, verdadeiros e que apontam para eternidade. Os do mundo materializam-na através de posses, status, dinheiro, aqui e agora. Os da Bíblia a colocam em campos que quase nunca redundam em reconhecimento, glória e poder e por isso são tão infames.
Nessa disputa sem fim, a inevitável pergunta que surge é: por quais valores somos guiados? O que nos move: o sermão do monte ou o estilo de vida dos grandes multimilionários, que tem seus nomes divulgados periodicamente em revistas especializadas nesse tipo de gente? Certamente não é possível abraçar as duas visões. Se agarramos uma, fatalmente abandonamos a outra.
No entanto, apesar de serem perguntas duras, suas respostas podem ser percebidas não por palavras apenas, mas por condutas, posturas. Podemos até responder positiva e biblicamente, mas serão nossas atitudes que confirmarão ou denunciarão nossas intenções.
Existem várias maneiras de avaliar a coerência da resposta da igreja – comunidade de fé, cujo cabeça é Cristo e não templos ou denominações – e uma delas está nas músicas que cantamos. Em um pequeno exercício de leitura há um tempo, li cada cântico da Harpa Cristã, hinário seguido por várias denominações, como as Assembléias de Deus. São composições antigas que expressam bem os anseios dos irmãos de um período especifico do evangelicalismo brasileiro.
A esperança da Glória, a justificação, a alegria do perdão proveniente do sacrifício de Cristo, a alegria de uma nova vida que somente Cristo pode dar, a comunhão com Deus e os irmãos, a Graça, o escândalo da Cruz e sua mensagem, a renúncia e tantos outros temas tão comuns à vida Cristã foram – e ainda são por uma parte – intensamente cantados por nossos irmãos. E hoje, quais assuntos compõem uma canção?
Triunfalismo, determinismo, egocentrismo, profecias pessoais, milagres pessoais, conquistas pessoais, vitórias pessoais. Bênçãos materiais, físicas e emocionais. Em comum a todos esses tipos de canções, há uma profunda ausência de doutrinas bíblicas que possibilitariam ao ouvinte mais uma forma de aprendizado da Escritura e o levariam à compreensão do Plano de Deus em Jesus e, consequentemente, a uma vida de gratidão e adoração. Além disso, essas canções apresentam uma enorme ignorância quanto à concretização de todas as coisas, quando seremos transformados e a eternidade se descortinará à nossa frente para, preenchidos pela glória do pai, vivermos para Ele.
Isso significa muito. Significa onde está nosso coração. Significa por quais desejos somos guiados e por quais valores somos movidos. Significa como vemos a felicidade e por quais meios a alcançamos. É terrível dizer isso, mas é preocupante o nível em que se encontra boa parte daquela que se diz igreja de Deus. Mas isso é uma outra história…
O Sermão do Monte é um grande enigma e eu – e, acredito, ninguém – não tenho respostas prontas e conclusivas sobre tudo o que Jesus quis com ele. No entanto, uma coisa fica bem clara diante de cada afirmação de Jesus: a identidade daqueles que desfrutarão de seu Reino de Paz, Justiça e Amor. Sem nenhuma dúvida, essas pessoas são as que viveram em contínua oposição ao mundo ao ponto de serem odiadas por ele, como nosso Senhor. Para elas, a fonte de toda a felicidade era a esperança daquele Dia, mais forte do que qualquer dor ou adversidade, onde todas as promessas tão enfaticamente dirigidas àqueles que se renderam ao Senhorio de Cristo e entenderam que fora dele não há possibilidade de salvação, serão fielmente cumpridas.
Que essa seja a nossa, Senhor Jesus!
PS.: Eu tomei como exemplo a música pela evidência que ela atingiu nesses últimos meses e, principalmente, pelo fato dela ser uma referência fiel em expor o que ansiamos. Além dela, teríamos o culto e a pregação como fontes de pesquisa. Eles também dizem muito sobre o que a igreja pensa e acredita.
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