sábado, 14 de janeiro de 2012

O Vaticano vai expor a bulha que dividiu América e o documento de excomunhão de Lutero


Os 85 kilômetros de prateleiras do Arquivo Secreto Vaticano contém informação inestimável sobre a história da humanidade.
19 DE OUTUBRO DE 2011, CIDADE DO VATICANO
O papa Benedito XVI autorizou para que, por primeira vez, cem importantes documentos de seus arquivos secretos sejam mostrados ao público em versão original, fora dos muros vaticanos.

A partir do próximo fevereiro, durante sete meses, os Museos Capitolinos de Roma acolheram um tesouro que incluirá, por exemplo, a carta de León X a Lutero para anunciar que seria excomungado , as atas do processo a Galileu Galilei ou as letras dos parlamentários ingleses a Clemente VII sobre a causa matrimonial de Enrique VIII. Também poderá se ver a bulha de Alexandro VI, de maio de 1493, dirigida aos Reis Católicos, na que repartiu entre Espanha e Portugal as novas terras conquistadas em América.

O papado é a única instituição que manteve, com caráter ininterrupto e durante tanto tempo, um protagonismo dessa relevância na cena internacional. Os 85 kilômetros de prateleiras do Arquivo Secreto Vaticano contém informação inestimável sobre a história da humanidade. Ali está registrada a ação da Igreja e as numerosas complexidades diplomáticas entre os países.

LUZ NOS ENIGMAS

Os organizadores da exposição, com o título de ‘Lux in arcana, L'Archivio Segreto Vaticano si rivela’ (Luz nos enigmas, o Arquivo Secreto Vaticano se revela), querem que a amostra tenha um impacto global, que seja visita obrigatória para os historiadores e gere curiosidade entre o público em geral.



Como estratégia para chamar a atenção, estão dosificando a informação para a imprensa quanto a identidade dos documentos que serão expostos. Existe muita expectação para saber que documentos serão exibidos sobre o chamado "periodo fechado" da Segunda Guerra Mundial. Se trata de material do pontificado de Pío XII –polêmico candidato a beatificação–, um período que ainda está vetado para a consulta, mas nele que se farão algumas exceções, com permissão expressa da Secretaria do Estado.

A futura exposição já dispõe de um lugar em internet - www.luxinarcana.org -. A amostra usará ferramentas multimídia e tratará de reviver os documentos com narrações sobre o fundo histórico e os personagens envolvidos. Era inevitável que a Santa Sede escolhesse a própria Roma para a exposição, não só por motivos práticos senão pelo profundo vínculo do papado com a cidade desde o Medieval.

DIVISÃO DO "NOVO MUNDO"

O passado 12 de outubro, exatamente 519 anos depois da chegada de Cristovão Colombo a terras americanas, os responsáveis da amostra e do Arquivo Secreto Vaticano revelaram que entre centenas de documentos de Lux in arcana figurará a bulla Inter cetera de Alexandro VI –o valenciano Rodrigo de Borja– na qual, seguindo critérios geográficos bastante impreciso, distribuiu entre Espanha e Portugal os domínios no Novo Mundo , com a expressa condição de que os habitantes desses territórios fossem evangelizados.

A bulla alexandrina, chamada também bulla de divisão, tem uma história complexa. Se realizou uma primeira versão, com data de 3 de maio de 1493, porém seu conteúdo não satisfez aos destinatários porque não ficava clara a divisão territorial. Podia interpretar-se muito favorável a Espanha em detrimento de Portugal, cujo soberano, Juan II, reivindicava também com força seus direitos. Por isso, depois das consequentes gestões diplomáticas, se realizou uma segunda versão, datada retroativamente o 4 de maio de 1493 –ainda que seu relato real foi posterior–, na que Alexandro VI, como árbitro aceito pelas duss partes, estabelecia o domínio espanhol em todos os territórios descobertos, até então e no futuro, situados ao oeste de um meridiano imaginário, a umas cem léguas das ilhas Açores e das ilhas de Cabo Verde.

Esta divisão geográfica resultou na prática incorreta e inaplicável, porém ao menos estabeleceu um princípio genérico de distribuição. Um ano depois, em 1494, um acordo diplomático hispanoluso, o tratado de Tordesilhas, corrigiu as zonas de influência e moveu em 370 milhas o meridiano fixado pelo papa.

CÓPIA DE REGISTRO

A bulha original enviada aos Reis Católicos se conserva no Arquivo Geral de Índias. Porém o documento mãe é o que será exposto nos Museos Capitolinos, a chamada cópia de registro, que se encontra no Registro Vaticano 777 do Arquivo Secreto Vaticano. Segundo explicou a Vanguarda Alessandra Gonzato, porta-voz do arquivo, "a cópia de registro é em realidade a cópia número um, o texto fundamental, a única garantía de autenticidade".

Naquela época as bulhas podíam se perder pelo caminho, ser manipuladas, falsificadas ou destruídas.

Este último ocorreu, por certo, com a que excomungava a Lutero. A cópia de registro, guardada zelosamente no Vaticano, é a fonte infalível dos atos papais e, no caso da que dividiu América, sua existência, em versão corrigida de uma anterior, explica também as peripécias da negociação diplomática que requeriu o assunto.

Na bulha, Alexandro VI, um papa corrupto e impiedoso com seus inimigos, louva aos Reis Católicos pela recuperação do reino de Granada dos muçulmanos e expressa seu desejo de que "a fé católica e a religião cristã seja exaltada sobre todo em nossos tempos, e por onde quer que se amplíe e dilate, e se procure a salvação das almas, e as nações bárbaras sejan submetidas e reduzidas a fé cristã". Também inclue palabras de admiração até Cristovão Colombo, um "homem apto e muito conveniente" para a empresa que realizou.

© Protestante Digital 2011

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