REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE "CIÊNCIA E SAÚDE"
Dois cientistas britânicos usaram um punhado de equações para colocar em xeque uma das hipóteses mais aceitas para explicar por que, afinal de contas, os ancestrais da humanidade adotaram a locomoção bípede.
Para eles, alguns cálculos simples indicam que é bobagem a ideia de que a postura ereta foi uma forma de evitar o superaquecimento do corpo debaixo do sol africano.
Essa estratégia evolutiva só funcionaria se, antes disso, os primeiros hominídeos (os ancestrais do ser humano) virassem macacos sem pelo, coisa que provavelmente só aconteceu depois do surgimento do andar bípede.
Graeme Ruxton, da Universidade de Glasgow, e David Wilkinson, da Universidade John Moores em Liverpool, publicaram suas conclusões em edição recente da revista científica americana "PNAS".
Editoria de Arte/Folhapress
POR DEFINIÇÃO
Para os especialistas em evolução humana, andar com dois pés (em vez de usar quatro patas, como os outros primatas) é o que define a linhagem dos hominídeos. É um dos poucos consensos numa área de pesquisa polêmica, na qual ninguém se entende sobre quase nada.
Fora o fato do bipedalismo, porém, todo o resto ainda está no ar. Os fósseis mais antigos com indícios dessa característica chegam perto dos 7 milhões de anos, mas há quem questione as credenciais bípedes dos bichos. A característica só aparece de forma mais confiável há 4,5 milhões de anos.
E, quando se chega às causas do fenômeno, a coisa fica muito perto de virar um vale-tudo. Sem muitas evidências diretas nas mãos, os bioantropólogos acabaram atirando para todos os lados (veja infográfico).
Até uma suposta fase aquática da evolução humana chegou a ser invocada, já que seria mais fácil ficar dentro d’água e atravessar rios e lagoas com a postura bípede.
Nem todas as hipóteses são malucas assim. Uma ideia simples e elegante é levar em conta o equilíbrio de calor ligado às diferentes posturas no ambiente em que a postura bípede teria evoluído –para muitos, áreas abertas da África tropical.
O raciocínio é que, dependendo da posição do corpo, a luz solar esquenta o sujeito de maneiras diferentes. Por esse critério, ficar em pé debaixo de sol quando se é bípede dá menos calor do que fazer a mesma coisa sendo quadrúpede.
O problema é que esse cálculo tinha sido feito de forma estática, com o hominídeo teórico paradão. Os britânicos Ruxton e Wilson refinaram as equações originais, adicionando movimento a elas.
E aí a coisa muda de figura, afirmam os autores. Em movimento e debaixo de sol, um hominídeo peludo como os chimpanzés atuais, mas bípede, conseguiria caminhar, no máximo, entre 10 e 20 minutos antes de superaquecer e ter um caso sério de insolação.
Por outro lado, um hominídeo com pelos corporais esparsos e glândulas sudoríparas abundantes, como seus descendentes hoje, teria possibilidades bem maiores de dissipar calor e se dar bem com a postura ereta.
É por isso que eles concluem que o caminhar com duas pernas em ambiente aberto exigiria o corpo relativamente pelado como pré-requisito. Do contrário, não teria sido favorecido pela seleção natural.
A questão, claro, é saber qual dessas características evoluiu primeiro. De novo, as evidências são limitadas. A pista mais direta é meio constrangedora: os piolhos que afetam os pelos pubianos humanos. A linhagem deles existe há 3 milhões de anos.
Como os outros grandes macacos não possuem pelos pubianos, imagina-se que foi nessa época que os hominídeos perderam seus outros pelos e ganharam esses. Seja como for, parece ter sido depois da invenção evolutiva do bipedalismo.
Resumo da ópera: o jeito de andar característico da humanidade ainda é um mistério evolutivo.
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