segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Aos 91 anos, Mandela continua sendo o ideal da África do Sul

The New York Times

JOHANNESBURGO – O ícone agora é um homem bem idoso. Seu cabelo está branco e seu corpo, frágil. Visitantes dizem que Nelson Mandela se apoia pesadamente sobre uma bengala para ir até seu escritório. Ele tira os sapatos, joga-se em uma cadeira com o encosto duro e coloca cada perna em um banquinho almofadado. Sua mulher, Graça Machel, arruma seus pés “para ficarem simétricos, e lhe dá comida na boca”, diz George Bizos, seu advogado e amigo de longa data.

NYT

Nelson Mandela, sua esposa Graça Machel e seu neto Ziyanda
Manaway no aniversário de 91 anos do líder

À esquerda de Mandela há uma pequena mesa com jornais empilhados, no idioma inglês e em africâner, a língua dos brancos que o aprisionaram por 27 anos. A família e seus camaradas estão sentados à sua direita, lado em que sua audição é melhor. Sua memória está fraca, mas ele ainda ama relembrar velhas histórias, contar outras já contadas tantas vezes “como pedras polidas”, como descreveu um visitante.

“Ele tem uma tranquilidade”, disse Barbara Masekela, sua chefe de gabinete, após ter sido libertado da prisão em 1990. “Eu me vejo tentando diverti-lo, e sinto uma imensa alegria quando ele explode em gargalhadas”.

Mandela, talvez o estadista mais adorado do mundo e humorista por natureza, anunciou repetidamente o fim de sua carreira pública, mantendo sua presença apenas em concertos para homenageá-lo ou comícios políticos. Mas, recentemente, ao cancelar seus compromissos, rumores de que ele estaria muito doente causou tanto turbilhão que sua fundação divulgou um comunicado dizendo que ele estava “como se espera que qualquer pessoa de 91 anos esteja”.

Mas ainda que Mandela desapareça de vista, ele mantém um lugar vital na consciência da população do país. Para muitos, ele ainda é o ideal de um líder – carismático, magnânimo, pronto para confessar suas falhas -, de acordo com o qual seus sucessores políticos são comparados e, frequentemente, deixam a desejar. Ele é o fundador cujos valores continuam a delinear a nação.

“É a ideia de Nelson Mandela que mantém a cola que une a África do Sul”, disse Mondli Makhanya, editor-chefe do “Sunday Times”. “Quanto mais velho e frágil ele se torna, quanto mais próximo se torna o inevitável, mais ainda tememos esse momento. Há o amor do homem, mas também há a questão: quem nos manterá unidos?”

Há uma saudade dos dias felizes quando a África do Sul acabou pacificamente com o domínio branco racista, e um homem com um grande coração e com um desejo de entender o imperfeito encarnou esse momento. Por causa disso, muitos historiadores e jornalistas estão trabalhando em uma nova rodada de livros sobre Mandela.

A Fundação Nelson Mandela concordou no mês passado em vender os direitos para um livro, “Conversations to Myself” (Conversas comigo mesmo, em tradução livre), para editoras de 20 países, com base no material dos papéis particulares de Mandela – anotações em envelopes, diários, calendários de mesa, rascunhos de cartas pessoais escritas aos parentes enquanto estava preso e documentos dos anos em que foi o primeiro presidente negro eleito democraticamente na África do Sul.

Seus amigos mais antigos, resolutos na luta contra o apartheid (como era chamada a segregação racial na África do Sul), ainda o visitam. Bizos, que frequentou a escola de direito com Mandela em 1940, disse que Machel se preocupava com que Mandela ficasse sozinho quando ela não estivesse na cidade, e que ele comia bem pouco sem sua companhia. Então, de tempos em tempos, Bizos recebe uma ligação da mulher que cuida da casa deles, que o convida para o almoço.

Mandela senta na ponta de uma grande mesa, com Bizos à sua direita. Eles apreciam o prato preferido – rabada ao molho de tomate – e falam sobre os velhos tempos. Mandela conta como ele entrou uma vez em uma aula da escola de direito e se sentou perto de um colega branco com orelhas grandes, o qual imediatamente mudou de lugar e evitou sentar próximo de outro negro. Mandela queria tê-lo convidado para a 50ª reunião da turma da University of the Witwatersrand em 1999, mas o homem já tinha morrido.

“Ele repete isso de tempos em tempos”, disse Bizos. “Ele se arrepende de não ter tido a oportunidade de conhecê-lo. Ele lhe teria dito, ‘você se lembra daquele dia? Mas, por favor, não se preocupe. Eu o perdoo’”.

O desejo de Mandela é ser enterrado ao lado de seus ancestrais em Qunu, na província de Eastern Cape, onde ele passou os anos mais felizes de sua infância. Em sua autobiografia, ele descreve o lugar como pequeno, com cabanas em forma de colmeia e telhados feitos com grama.

“Foi nos campos”, ele escreve, “que eu aprendi como acertar pássaros no céu com estilingue, pegar mel silvestre, frutas e raízes comestíveis, a beber leite quente e doce tirado da teta da vaca, a nadar no riacho límpido e gelado e a pescar peixes com pedaços de arame retorcido e afiado”.


Por CELIA W. DUGGER

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