Imagine o nascimento de uma criança. Imagine o rosto feliz e alegre dos pais, em ver que era um homem. Na cultura judaica o nascimento de um filho varão era motivo de uma felicidade ímpar, pela doce esperança da vinda do Messias. Pense nessa criança como um príncipe. O pai, Jonatas, o avô, Saul, o respeitado rei de Israel. A criança, Mefibosete, que passou a ser tratado como um futuro rei de Israel. Na dinastia, seria a terceira geração que assumiria, pois o reinado era algo que passava de pais para filhos. A criança crescia cercada de mimos e o respeito de todos na nação, afinal, todos queria agradar o futuro "chefe", e nada melhor do que começar a fazê-lo na infância.
Imaginemos essa criança feliz, brincando nas campinas verdejantes sonhando com o dia em que assumiria tudo aquilo. Em seus embalos infantis, não entendia que o reinado do avô Saul estava indo à pique. Não sabia que Deus já havia rejeitado a muito tempo seu avô, e já tinha escolhido um para sucede-lo, alguém que não seria seu pai Jonatas, mas alguém "segundo o coração de Deus": Davi.
Para piorar a situação, estoura a trágica guerra, que erradicaria de seus pensamentos todos seus sonhos e esperanças. Naquela guerra, três fatalidades lhe atinge em cheio, fazendo sepultar todos seus projetos: O avô Saul morre, o pai Jonatas também morre, e como se desgraça pouca é bobagem, sua ama, no afã de fugir, o derruba no chão, ocasionando a fratura dos tornozelos, deixando-o coxo definitivamente. Em apenas alguns instantes, todo o mundo desaba sobre aquela criança, tinha ele apenas cinco anos quando tudo isso aconteceu. Como estava seu coraçãozinho? Dilacerado pelas tragédias. De um futuro rei de Israel, a um deficiente físico definitivo.
CINZENTAS LEMBRANÇAS
E agora? O espólio do rei é dividido. Ninguém procurou saber se havia um futuro herdeiro. O que um deficiente físico representa na ordem do dia? Praticamente coisa alguma, ainda mais se tratando de sobejos reais. Mefibosete estava mesmo em maus lençóis. Davi assume o reino, Saul e Jonatas são sepultados e tudo volta ao normal. "A vida continua". Quantas vezes você já ouviu esta frase? Mas continuar como? Sem perspectivas de vida? Sem noção de reconquista? Sem nenhum projeto futuro? Convivendo com uma perda irreparável, sem que nada pudesse ser feito para arrumar o estrago?
Tinha eu uma avó que era a alegria da família. Fiel a Deus e a igreja. Ficou viúva muito cedo, criou os filhos com muito zelo na casa de Deus. Era assídua dos cultos e reuniões de oração da igreja. Foi ela acometida de trombose na perna, tendo que amputá-la. Só ali, metade de seus sonhos se foram. Já não podia caminhar à igreja por lhe faltar a perna. Somente poderia se locomover com ajudas externas que nem sempre estavam disponíveis. Não suportando aquilo, um mês depois de amputada a perna, veio ao óbito, de tristeza. Viver sem perspectivas é praticamente impossível.
Agora o pior, Mefibosete foi levado por alguém ( uma boa alma caridosa) para uma cidade chamada Lo-Debar. O nome por si só, já fala tudo: Lo-não, Debar-palavras. Não-Palavras, ou Sem-palavras, isto é, foi para uma cidade sem palavras, terra do silêncio. Um lugar em que falar era proibido. Seu passado? Silêncio... seu presente? Silêncio... seu futuro? Silêncio... sua história? Silêncio... sua família? Silêncio. O silêncio ali era a tônica, muito pouco ou quase nada era falado de alguém. Assim, Mefibosete aprendeu a conviver com o silêncio, ruminando em suas lembranças, cinzas de um passado que não pode evitar e um futuro fadado ao ostracismo e nada mais.
Talvez meu caro leitor, essa seja sua exata situação. Tinha tudo para ter um belo futuro, seus planos e projetos eram os melhores possíveis. Seus sonhos e planos eram suntuosos. Aprendeu ainda na tenra idade a pensar grande. Mas alguma "ama"destruiu tudo, aquela maldita guerra lhe aleijou os pés, castrando seus lindos sonhos, e agora você está numa "Lo-Debar", convivendo com o silêncio dos amigos, da família e até do próprio Deus.
POR QUE DEUS FICA EM SILÊNCIO?
Conviver com o silêncio não é nada fácil. Alguém já disse que o silêncio é a melhor resposta, mas é um engano. O silêncio é um mortal inimigo para nossos planos, ainda mais se tratando do silêncio de Deus. Que o diga Jó, que conviveu com as piores tragédias suportáveis pelo ser humano, e viu tudo de pior que uma vida possa suportar. Perdeu seus bens, perdeu seus amigos (como eles são interesseiros!), perdeu sua família e pior, perdeu sua saúde, o pior momento que o homem pode suportar. Aliás, sobre isso, o próprio Satanás falou a Deus de forma acertada: "...Pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida" (Jó2:4). Isso é verdade, pode ser rico ou pobre, ficou doente, o homem gasta até o que não tem para recuperar sua saúde. Satanás sabe nosso ponto fraco. Em meio a todos esses flagelos, Jó ficou sem ouvir a voz de Deus, embora buscasse ouvi-la a qualquer custo, ela só veio a acontecer no capítulo 38, quase no final do livro, no final da história.
Deus ficou em silêncio quase o tempo todo. Existe pelo menos duas razões por que Deus fica em silêncio para conosco:
1) Quando está aborrecido: Quando aborrecemos ao Senhor com nossos atos e feitos, esperando que entendamos seu desprezo momentâneo como um chamado de volta à sua santa presença (O desprezo é a melhor arma).
2-) Quando está planejando algo :No silêncio existe o trabalhar divino. Não podemos nos precipitar que as vezes, Ele está operando algo a nosso favor.
Um belo dia, o Espírito de Deus incomodou Davi. O rei segundo o coração de Deus, talvez não conseguiu dormir aquela noite, quem sabe pensando na aliança feita com seu finado amigo Jonatas. Quantas saudades. Aquilo sim que era amigo. Enfrentou o próprio pai Saul para defende-lo, e Davi, o futuro rei havia jurado a ele que nada deste mundo atrapalharia sua sincera amizade (I Sm 20:11a15). Agora, dessa bela amizade restou somente a saudade, visto que Jonatas havia morrido
De repente, em um estalo de nostalgia, Davi pensa consigo: "Deve haver algum remanescente da Casa de Jonatas, não é possível que não tenha sobrado ninguém para mim usar de bondade para com ele". Numa pesquisa interna, Davi descobre através de Ziba, um antigo servidor de Saul, que certamente havia herdado o espólio do rei, e dele cuidava, que deveria saber alguma coisa a respeito: "...Não há ainda algum da casa de Saul para que use com ele de beneficência de Deus?".
Na resposta que Ziba deu, dá para perceber que havia uma pontinha de ciúmes em relação a Mefibosete: "...Ainda há um filho de Jonatas, aleijado de ambos os pés". Não precisava dizer que ele era aleijado, ser aleijado não é uma questão de desonra para ninguém, aliás, esse preconceito, se revelou mais tarde com Ziba mostrando que queria algo mais. Davi mais que depressa mandou buscá-lo, em Lo-Debar, tirando-o da terra do silêncio trazendo-o ao palácio real. De repente, os sonhos renascem. Entrando no palácio, as perspectivas de vida voltam, o assento a mesa do rei, significava muito, mostrava a Mefibosete que a expectativa de vida voltava. Era Deus restaurando os sonhos de Mefibosete. Como poderia ele imaginar que um dia retornaria ao palácio real? Ainda que não como rei ou príncipe, pelo menos voltaria como um dos que se assentava a mesa real (como os filhos do rei).
Prezado leitor, ainda que tudo pareça escuro e sombrio em sua vida, não deixe jamais de sonhar. Ainda que você esteja "coxo" ou "aleijado" de suas expectativas, não deixe de sonhar. Ainda que você esteja no esquecimento ou numa vida de ostracismo, não deixe de sonhar. Ainda que você esteja numa "Lo-Debar", ou na terra do silêncio, sem mesmo ouvir uma promessa que lhe traga esperança, não deixe de sonhar. Ainda que você esteja num momento em que os fantasmas do passado lhe atormentem, não deixe de sonhar. Lembre-se, o sonho é o combustível que alimenta a chama da esperança. E no céu, o grande Deus se mobiliza para fazer seus sonhos reais. Sinta agora em Cristo, seus sonhos renascerem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário