terça-feira, 20 de maio de 2008
O dilúvio foi local ou universal? Que fim levou a Arca de Noé?.
Preciso saber se o dilúvio foi local ou universal? Que fim levou a Arca de Noé?. Também quero saber se há alguma matéria sobre os dinossauros na perspectiva Bíblica. Qual é a idade da Terra? Por que as datas não batem com as da arqueologia moderna?
Pergunta enviada por Cristina - Bragança Paulista, em 21/04/2008
As suas perguntas têm a ver com os primeiros capítulos da Bíblia. Algumas questões ligadas aos textos da criação e à hermenêutica dos capítulos 1-11 do livro do gênesis já foram tratadas nesta secção do nosso site e lhe convidamos a ver as respostas que já damos, as quais provavelmente esclarecerão ou cofirmarão algumas idéias sobre a historicidade dos textos bíblicos, sobre a questão da evolução das espécies que vivem na terra e também sobre a relação que existe entre ciência e Bíblia:
1. A teoria dos "pré-adamitas" é compatível com a nossa fé?
2. O mistério da criação
3. Os dinossauros viveram antes, durante ou muito depois da criação do homem?
Tendo presente estes pontos, começamos a falar sobre o dilúvio. Como já foi dito em outros momentos, os textos que falam da ciração e da origem do mundo, do pecado, da humanidade nova depois do dilúvio são tomados de textos de mitos que existiam antges da Bíblia no Oriente Médio antigo (Mesopotâmia). Esses mitos serviam aos povos para explicar as suas origens. A história desses povos eram, através desses mitos, ligados a criaturas ancestrais que eram semi-divinas, divindades e eventos catastróficos. Essas histórias eram também conhecidas pelos autores bíblicos que, porém, foram críticos em relação a eles e re-adaptaram-os dentro da ótica da fé de Israel no Deus único.
Os textos mais famosos que nos contam de um grande dilúvio e que apresentam muitos elementos comuns com o texto bíblico vêm da Mesopotâmia e são de cerca de 1.600 – 1.200 antes de Cristo. Para explicar o por que da escolha de um cataclisma como um dilúvio para essas narrações, é preciso considerar a geografia do local.
‘Mesopotâmia’ é uma palavra de origem grega que significa ‘terra entre rios’. Os dois rios são o Tigri e o Eufrates. Esta região foi o berço da civilização sumera e babilonês, uma terra caracterizada por vargens férteis, que eram irrigadas por uma rede de canais. A região sofria frequentementes inundações, das quais os habitantes conheciam muito bem as consequências devastantes. Também a idéia de universo e as diversas concepções de águas explicam o fato de se ter utilizado o dilúvio como fenômeno para esta narração. Na Mesopotâmia, assim como também na Bíblia, na história da criação, crê-se que existem dois níveis de águas: as superiores (acima dos céus) e as inferiores (mares, rios e águas subterrâneas). A chuva é o resultado dos “céus qeu se abrem”, que deixam cair as águas superiores, dando a vida à terra. Também os mares e os rios são protagonistas de vida. Quando as águas trazem morte? Quando se confundem, ou seja, quando chove muito, ou quando os rios se enchem e quando o mar ultrapassa as margens que lhe foi dada e inunda a terra. A experiência de destruição que vive quem sofre esses eventos é tão grande que faz pensar ao fim do mundo, ao fim da criação. Para um homem da Mesopotâmia de milhares de anos atrás eram os próprios deuses que decidiam provocar essas catástrofes, quase anulando, arrependidos, a criação que tinham feito.
Assim, quando se quiz descrever a destruição de uma humanidade que não agradava mais aos deuses e a criação de uma nova, a imagem evocada é exatamente aquela de uma confusão total das águas, superiores e inferiores, que levam tudo embora: um dilúvio.
Podemos dizer que o dilúvio seja um acontecimento ‘histório’ no sentido atual do termo? Respondemos de modo afirmativo só se consideramos que os ‘dilúvios’ eram uma experiência costumeira dos povos da Mesopotâmia (foram encontrados vestígios em muitas escavações na zona) e que emprestaram aos homens as imagens e símbolos que lhe serviram para descrever as suas idéias quanto à condição humana e a sua relação com o mundo e con os deuses. Alargando o tema, poderíamos dizer que se tratou de um acontecimento local e universal ao memso tempo, com a condição que sejamos capazes de discernir os aspectos ‘real’ e ‘simbólico’ que se cria quando se universaliza um acontecimento local: um exemplo clássico onde uma experiência concreta, ‘universalizada’, torna-se um paradigma para descrever realidades comuns a todos os seres humanos de todos os lugares.
Como o povo de Babilônia fez esta operação? Na época mencionada acima, nasce a obra escrita babilonês mais famosa: a Epopéia de Gilgamesh, uma saga na qual se conta as façanhas de um rei antigo, Gilgamesh, que se encontra diante do problema da morte e quer alcançar a vida eterna. É a epopéia nacional babilonês e incarna o ideal humano deste povo, mas reflete também aquilo que gira em volta da natureza humana, a qual procura dar uma explicação.
Gilgamesh vaga pelos mares e montes até os confins do mundo perseguido pela pergunta central do inteiro poema, a busca da vida eterna. Depois de diversas aventuras, da morte do seu amigo Enkidu, Gilgamesh, desolado pelo drama da morte, coloca-se em busca da imortalidade e vai a procura do único homem imortal, Utanapishtim, o Noé da Babilônia, que se tornou imortal depois de ter sobravivido ao dilúvio universal. Quando o rei lhe encontra, Utanapishtim conta a história do dilúvio, conta como sos deuses, um dia, cançados do barulho da humanidade, decidem destruí-la. O deus da sabedoria, porém, quis salvar Utanapishtim e lhe diz para construir uma arca. O dilúvio vem e destróe tudo e no fim a arca pára. Utanapishtim envia 3 pássaros para explorar o mundo externo e oferece sacrifícios aos deuses. Nessa altura os deuses decidem dar a Utanapishtim e a sua esposa a vida eterna.
Como se pode ver, existem muitos pontos em comum com a história contada na nossa Bíblia, que, porém tem aspectos particulares. O autor bíblico quis exprimir uma idéia diferente sobre Deus e sobre a humanidade: primeiro de tudo crê em um Deus único, não em vários deuses, bons e maus; um Deus que quer a vida e que tira fora da estrada humana o que impede de viver segundo os seus projetos de paz. O dilúvio bíblico é, sobretudo um fenômeno de renovação da criação e não uma punição para a humanidade. A renovação era necessária por que a violência tinha comprometido a sua existência (cf. Gn 6,11.13). Na linguagem simbólica da Bíblia, considerando imagens e composições literárias já existentes, na água do dilúvio desaparece o universo violento. Apenas Noé, o justo, e a sua família permanecem, para que a humanidade e a sua história recomecem por meio de um justo e seja restabelecido o projeto de paz e de aliança que Deus quis para a humanidade.
Dito isto, parece ser supérfluo dizer onde encontrar a antica Arca de Noé, mesmo se alguns teimam em continuar a sua busca e outros até mesmo defendem que a encontraram.
Em relação à sua pergunta sobre a idade da terra, trata-se de uma questão que seria necessário ser respondida pela ciência. Porém queria aproveitar para falar de um aspecto particular da tradição judaica. Os judeus conhecem um cálculo dos anos de uma hipotética data da criação do mundo, que em 2008 seria equivalente ao ano 5769. O fato que tal tradição se refira a uma data assim não significa que os judeus não reconhecem os dados da ciência. Eles calculam esses anos a partir de cronologias extraídos da Bíblia e de outras fontes e com isso pretendem recordar essencialmente que o universo, qualquer que sejam as leis científicas, deve a sua existência à vontade criadora de Deus, fundamento da sacralidade do tempo e do espaço.
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